“Boots”: a história secreta por trás da série que quebrou tabus e gerou críticas no Pentágono

“Boots”, da Netflix, segue adolescente gay em adaptação às Forças Armadas e denuncia absurdos de época

“Boots”, série inspirada nas memórias “The Pink Marine”, de Greg Cope White, acompanha Cameron Cope (Miles Heizer), um adolescente gay que decide se juntar ao Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA. Ambientada nos anos 1990, a trama explora temas importantes como amizade e pertencimento, em momento que era ilegal ser gay nas Forças Armadas e se inspira em uma história secreta.

Confira detalhes!

História secreta por trás de “Boots”, série da Netflix

Friedrich Wilhelm von Steuben (1730-1794), conselheiro de confiança do primeiro presidente americano, George Washington (1732-1799), é considerado o criador do Exército profissional dos Estados Unidos, no final do século 18. Muitos historiadores, no entanto, acreditam que ele era gay e escondia como tantos outros militares.

Mesmo em 1994, quando ficou estabelecido que pessoas lésbicas, gays e bissexuais (LGB) poderiam legalmente servir as Forças Armadas, uma norma clara – chamada de “não pergunte, não conte” – impedia que discutissem sua sexualidade.

Em 2011, pessoas abertamente LGB começaram a ser finalmente aceitas nas Forças Armadas americanas, marcando novos progressos posteriormente. Joe Biden, presidente em junho de 2024, emitiu perdão geral a milhares de veteranos, condenados com base no Artigo 125 do Código Uniforme de Justiça Militar dos Estados Unidos (UCMJ, na sigla em inglês).

“Boots” (Crédito: Netflix © 2025)

A controversa legislação militar, criada em 1951, proibia que os militares praticassem “copulação carnal não natural” com pessoa do mesmo sexo e durou até 2013. Biden, portanto, emitiu uma declaração reconhecendo que “muitos ex-militares… foram condenados simplesmente por serem eles mesmos”.

Greg Cope White, que inspirou a série “Boots”, da Netflix, chama o serviço militar de “o grande equalizador”. “Eles raspam sua cabeça, colocam camuflagem em você, entregam uma espingarda e dizem que todos são iguais”, contou à BBC.

O que acontecia com os gays nas Forças Armadas

“Soldados gay, bissexuais e lésbicas operavam sob uma nuvem de medo, suspeitas e incertezas”, afirma o historiador cultural Nathaniel Frank. “Muitas vezes, os relacionamentos [do mesmo sexo] que corriam mal ou incidentes com um superior ou subordinado podiam gerar chantagem, o que era uma vulnerabilidade constante para os soldados LGB”.

“Ocasionalmente, as pessoas gay acabavam em prisões militares por praticar intimidade com o mesmo sexo”, acrescentou. Quando o ex-presidente Bill Clinton criou a norma “não pergunte, não conte” “o que se pretendia era oferecer uma melhoria, pondo fim à chamada ‘caça às bruxas'” e proteger os militares gays, para que não sofressem assédio nem discriminação.

“Boots” (Crédito: Alfonso “Pompo” Bresciani/Netflix)

“Ao chamar a atenção para esta questão em uma guerra cultural nacional, as pessoas gay ficaram sob o microscópio. Dados demonstram que o número de dispensas [por razões de sexualidade], na verdade, aumentou em vez de diminuir. Os militares não deveriam perguntar se alguém era gay, mas [muitos] violavam constantemente esta regra e a caça às bruxas prosseguiu”.

Cope White afirma que seu principal motivo para deixar os Fuzileiros Navais após seis anos de serviço foi o desgaste de precisar mentir constantemente. O ex-militar situa a história em 1979, mas “Boots” transfere as ações para 1990, quatro anos antes da criação da norma “não pergunte, não conte”.

Por que “Boots”, da Netflix, gerou críticas no Pentágono

A repercussão da série gerou críticas do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, o Pentágono. O Secretário de Imprensa do Pentágono, Kingsley Wilson, disse não importar se “você é homem, mulher, gay ou hétero” para servir as Forças Armadas atualmente.

“Sob o comando do Presidente Trump e do Secretário [Pete] Hegseth, as Forças Armadas dos EUA estão voltando a restaurar o ethos guerreiro. Nossos padrões em geral são de elite, uniformes e neutros em termos de sexo, porque o peso de uma mochila ou de um ser humano não importa se você é homem, mulher, gay ou hétero”, declarou ao Entertainment Weekly.

“Boots” (Crédito: Netflix © 2025)

“As autoridades não comprometerão nossos padrões para satisfazer uma agenda ideológica — ao contrário da Netflix, cuja liderança produz e alimenta consistentemente seu público e suas crianças com lixo woke [lixo ideológico, em tradução-livre]”. A crítica do Pentágono, portanto, foi uma reação política à representatividade queer e discussão de temas de identidade e preconceito dentro de um espaço militar.

Como “Boots”, da Netflix, quebrou tabus após a estreia

A série, apesar disso, recebeu muitos elogios pela crítica por sua abordagem sensível, humor e autenticidade. “Boots”, dessa forma, quebrou tabus ao se aprofundar na interseção de duas esferas tradicionalmente vistas como opostas: a identidade LGBTQ+ e o ambiente militar ultraconservador.

A série desafiou o arquétipo de “masculinidade” e “força” imposto pelas instituições militares, através de um protagonista bem construído, que expõe os dilemas e dificuldades daquele período. “Boots”, além disso, abordou a vulnerabilidade e o medo não como fraqueza, mas como atos de coragem e resistência, especialmente em um ambiente que exigia conformidade.

“Boots” (Crédito: Netflix © 2025)

Ao ficcionalizar a experiência real de um recruta gay forçado a viver no armário para servir ao seu país, a série deu voz e visibilidade a milhares de veteranos que sofreram perseguição e discriminação sob a política “não pergunte, não conte”. Como resultado, a trama serviu como uma poderosa crítica à homofobia institucionalizada nas Forças Armadas da época.

“Boots” está disponível no catálogo da Netflix.

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