A comédia romântica “Eu, Tu e Ela” (“You Me Her”), da Netflix, pode até parecer uma série despretensiosa e leve – em alguma medida, até é – mas é também um bom ponto de partida para reflexões, algumas bem desconfortáveis, sobre o que é o casamento, o amor e os relacionamentos de forma geral. E tudo isso a partir de uma premissa sem rodeios: a inclusão de uma terceira pessoa em um romance.
Crítica de “Eu, Tu e Ela”
Na série, Emma e Jack, casados há anos, enfrentam um período de marasmo no relacionamento. Embora os dois tenham uma conexão amorosa sólida, o dia a dia sofre com a rotina desgastante. Surge então – em meio a uma bagunça sentimental-, Izzy, uma estudante de pós-graduação que oferece aos dois um serviço de “acompanhante” e o mais improvável acontece: tanto Jack, quanto Emma apaixonam-se por ela – e são correspondidos. Parece confuso, mas é o início de uma história “poliamorosa” e de um relacionamento a três.
Aos poucos, a trama vai derrubando qualquer argumento “moral” que possa invalidar a relação do casal. A intimidade, compromisso, companheirismo e honestidade entre os dois são bem expostos e é difícil justificar a abertura do relacionamento apenas como sinal de que algo não está certo entre eles ou de que o amor acabou. Isto posto, não resta a quem está assistindo alternativa, senão começar a pensar de que maneiras uma relação assim poderia funcionar e quais são suas perdas e ganhos.
Relacionamento a três
Apesar da proposta leve e “engraçadinha” – a série tem episódios curtos característicos do gênero cômico –, a história introduz um conceito ainda muito nebuloso para a maioria das pessoas, que é o relacionamento amoroso entre três pessoas. Durante todo o tempo, a história nos desafia a parar de tentar prever qual deles vai acabar ficando para trás e tentar entender como (e se) é possível amar duas pessoas e aceitar que essas pessoas também amem outras.
O roteiro ainda não se desamarra totalmente ao conceito de “comédia romântica”, em que os amantes – nesse caso, três deles – passam por uma série de desencontros para, só então, se acertarem e viverem tudo isso novamente. Além disso, algumas características são exageradas e tornam os personagens um pouco cartunescos – como uma das vizinhas que fica obcecada em descobrir o que pode estar acontecendo entre Emma, Jack e Izzy.
A sensação é de que “Eu, Tu e Ela” está tentando nos forçar a acreditar em um tipo de romance que não existe no mundo real é um dos pontos reveladores do quanto pode ser difícil se libertar de costumes e imaginários sociais e tentar entendê-lo não como uma falha do “amor tradicional”, mas como uma alternativa, uma escolha.
Os três protagonistas também têm consciência dessa dificuldade e lidam com dilemas morais o tempo inteiro. Somos apresentados às dúvidas de Izzy sobre sua real participação no romance – já que ela entrou por último-, ao questionamento de Emma quanto a sua própria sexualidade e à posição de Jack, dividido entre o fetichismo da relação das duas mulheres e a insegurança a respeito do sentimento da parceira.
Para quem se sente muito distante da ideia de relacionamentos não-monogâmicos, a série deve parecer ainda mais cômica, já que os dilemas e desafios apresentados parecem irreais – e até sem lógica. Nesse sentido, é mais difícil criar algum tipo de conexão e empatia com os personagens, já que quase nada neles reflete e se identifica com a vida da maior parte das pessoas.
Ainda assim, a produção da Netflix é uma introdução mais “romântica” a um universo desconhecido em que os sentimentos, desejos e vontades de não duas, mas três pessoas precisam se alinhar para que a relação funcione e isso traz diversos desafios que, surpreendentemente, são inerentes a qualquer tipo de relação e têm muito mais a ver com questões internas e particulares do que com as outras pessoas.
Séries Originais Netflix
- “3%”: 9 delizes e acertos que marcaram a primeira série brasileira da Netflix
- Série “Crazyhead” é boa opção ‘escondida’ no catálogo; conversamos com ator
- “Desventuras em Série”: vimos e listamos 5 pontos para ficar de olho