É super comum que a cultura pop pegue emprestado elementos da realidade e una a vários conceitos inventados para montar suas próprias explicações. Com a série “Sense8”, da Netflix, não foi diferente. Juntando teorias científicas sobre empatia e funcionamento do cérebro, a série tentou explicar o poder dos sensates e até criou um novo tronco na árvore genealógica dos humanos.
Pelo que foi apresentado logo no início da segunda temporada, todos os sensates – termo que se refere aos personagens principais que têm uma ligação telepática entre si – descendem do Homo sensorium. Uma mutação genética teria separado esse ser do Homo sapiens, que é o gênero científico da espécie humana.
Homo sensorium existiu?
Tudo isso foi criado para efeitos do show. O professor associado Reinaldo Brito, do departamento de genética e evolução da Universidade Federal de São Carlos, explica que não existe Homo sensorium. Ele também enfatiza que, durante o processo de evolução humana, não houve substituição de seres, mas sim troca genética.

“O ponto principal é que não existe linhagem de humanos que vão se sucedendo e eliminando as que existiam antes. É muito mais um processo de troca genética”, explica Brito. Da mesma forma, em “Sense8”, o vilão chefe da organização BPO, que caça os sensates, acredita que sapiens e sensoriuns precisaram de um “mutualismo obrigatório” para sobreviverem.
Coexistência de espécies humanas
O que teria acontecido, tanto com os humanos da série quanto os da realidade, é que espécies diferentes de humanidades se “separaram” no decorrer dos anos. Imagine que a zebra e o cavalo tem um mesmo ancestral, mas os animais dessa espécie se separaram e as condições ambientais que cada um encontrou originou novos bichos. A mesma coisa aconteceu com os humanos.
“O gorila e o chimpanzé divergiram em torno 10 a 14 milhões de anos atrás; cavalo e zebra, há 4 milhões. A diferença é quanto tempo divergiu”, exemplifica Brito. Sapiens e neandertais – outro ancestral humano – se divergiram há “apenas” 500 mil anos. “Vários estudiosos defendem que o que houve [entre sapiens e neandertal] foi extermínio. Outros sugerem que não foi tão bélico, havendo troca genética entre eles”.

Da mesma forma que em “Sense8” é possível encontrar traços de DNA de sensoriuns nas pessoas, os neandertais também deixaram pistas de sua existência no sangue de humanos. Estima-se que 4% do genoma de europeus têm características do Homo neandertal presente.
Mesmo assim, seria muito difícil encontrar heranças nas aparências ou habilidades, como acontece na série. “Depois que ocorre miscigenação, não dá mais para distinguir porque os descendentes vão ter características compartilhadas”, explica o professor de genética da Ufscar.
Empatia no cérebro
Pelo que vemos na série, a vantagem evolutiva dos protagonistas está em fragmentos de DNA do Homo sensorium que ativam o funcionamento da área cerebral ligada à empatia. Os descendentes desse ancestral extrapolam o conceito de “experienciar sentimentos de outrem” – eles podem, de fato, estar mental e emocionalmente ligados a outros de seu tipo genético, podendo inclusive, acessar memórias e habilidades dessas outras pessoas.
Essa é uma metáfora bem interessante da definição de empatia proposta pela psicóloga Adriana de Simone. Em sua tese “Sobre um conceito integral de empatia: intercâmbios entre filosofia, psicanálise e neuropsicologia”, ela define empatia como “capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer”.

Local cerebral da empatia
No seriado, é explicado que os genes sensoriuns ativam a ínsula do córtex frontal do cérebro, “fundamental para a empatia” segundo o professor universitário que apresenta a ideia.
Os estudos mais recentes da neurociência, de fato, apontam que o córtex frontal (e a ínsula) é, junto com a área somatossensorial, a região responsável por “se colocar no lugar do outro”.
De acordo com o estudo de Adriana de Simone, essa região frontal está relacionada “com funções viscerais, emoção e memória”.
De fato, nossa cabeça entende emocionalmente o comportamento alheio de maneira parecida com a qual criamos as nossas próprias emoções. “Diversas evidências demonstram que o aspecto emocional do comportamento do outro é compreendido por meio dos mesmos mecanismos responsáveis pela geração da emoção”, explica Simone.
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