Se religião e castidade já são um assunto delicado para muita gente, as coisas ficam especialmente complicadas na vida de Tracey Gordon (Michaela Coel), uma londrina de 24 anos, que graças à criação religiosa nunca teve qualquer experiência sexual. O problema é que ela não aguenta mais se manter virgem e, com a ajuda de uma amiga mais “vivida”, vai tentar sair dessa situação a qualquer custo. É desta premissa que parte a série inglesa “Chewing Gum”, com duas temporadas disponíveis na Netflix.
A história é baseada no monólogo “Chewing Gum Dreams”, apresentado por Michaela nos teatros britânicos em 2012. Levemente autobiográfica, a história é cheia de exageros e dramas hilários – diferente das comédias mais tradicionais (e com um humor para lá de inglês), o seriado pode até demorar para cair no gosto de quem assiste, mas é viciante.
Crítica de “Chewing Gum”
Cheio de sacadas inteligentes, a série é repleta de situações desesperadoras – do tipo que ficamos apenas torcendo para que alguma coisa (qualquer coisa!) dê certo na vida da protagonista. A história começa com ela tentando incisivamente ter algum contato físico com seu namorado que, também religioso, recusa-se a beijá-la por querer se manter virgem até o casamento. A cada nova tentativa dela, a situação fica pior e o cenário só fica mais feio sob os olhares vigilantes de sua mãe e irmã evangélica e e as dicas furadas de sua amiga-conselheira.
Elenco
Com elenco enxuto e bem concentrado em um único núcleo, “Chewing Gum” reuniu uma série de bons talentos da televisão britânica: além de Michaela, que já é conhecida no país de origem, outros nomes do elenco chamam atenção, como o poeta Connor (Robert Lonsdale) e atriz Susie Wokoma, intérprete irmã de Tracey, que é protagonista em outra produção inglesa da Netflix, “Crazyhead”.
Diversidade dos temas e tabus
Apesar de o embate entre religião e castidade ser a pauta principal do programa, outros temas sociais importantes também são expostos. De maneira desbocada e escancarada “Chewing” não só discute, por exemplo, o racismo, mas tenta aproximar o leitor do dia a dia da comunidade afrodescendente que sofre com ele e propõe um diálogo interessante sobre os diversos desdobramentos desse problema, como o sexismo, a desigualdade social, o preconceito étnico e, inclusive, a sexualidade.
Na realidade, todo o tabu em torno da sexualidade feminina vai muito além da relação com a religião, isso porque a série viaja entre opostos. De um lado, está Tracey, que não faz a menor ideia de como se dá qualquer tipo de relação sexual (além do sexo propriamente dito, mas também beijos, toques e contatos). Ultra reprimida, não só pela imposição religiosa, mas também pela social, ela precisa se afastar de tudo o que aprendeu com a família e do próprio convívio com parentes para entender como funciona a questão do relacionamento amoroso e sexual.
Apesar de a ingenuidade da protagonista ser um dos fios condutores do humor, chega também a ser desconfortável e, talvez daí venham as gracinhas afiadas e certeiras da série: nós rimos de nervoso, de empatia, de constrangimento.
Do outro lado, está Candice (Danielle Walters), amiga de Tracey e muito mais liberta. Em um dos momentos mais hilários do início da série é a “D.R.” com o namorado, que, de acordo com ela, é “carinhoso demais” na hora do sexo e isso a deixa entediada. O acerto dessa dinâmica entre o casal rende cenas engraçadíssimas e traz à tona a expressão da mulher no que diz respeito aos seus desejos sexuais.
Em ambos os casos, a série brilha ao trazer personagens complexas, cheias de particularidades e muito originais. Quebrando estereótipos (mesmo com traços caricaturados e cartunescos), as mulheres da série roubam completamente a cena, ganham destaque e têm suas jornadas independentes.
Formato
Além da produção impecável, o formato também ajuda: com episódios de apenas 20 minutos, as duas temporadas disponíveis no streaming tem apenas 6 capítulos cada. “Chewing Gum” é uma excelente aposta para quem quer uma comédia fora do convencional para uma maratona de fim de semana.
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