Quando o primeiro teaser da nova série da Netflix foi lançado, há alguns meses, rapidamente uma polêmica se levantou e vários usuários “ameaçaram” cancelar a assinatura do streaming. Os argumentos: ataque às pessoas brancas, segregação causada pelos próprios negros, vitimismo e, claro, o famigerado “racismo inverso”. E é justamente disso (mas não só) que “Cara Gente Branca” trata: por que a luta contra preconceito racial e étnico incomoda tanto quem nunca sofreu com ele?
A história tem como personagem principal Samantha White, que lidera um grupo de alunos negros de uma universidade da elite norte-americana, frequentada quase exclusivamente por pessoas brancas. Além dela, outros 5 personagens têm destaque na série e, apesar de suas particularidades, são alegorias e representam alguns do principais problemas enfrentados por pessoas negras em uma sociedade que os silencia e acoberta o racismo.
Crítica de “Dear White People”
Racismo institucionalizado
O racismo silencioso e explícito causa desconforto o tempo inteiro na série – e talvez seja esse um dos grandes trunfos de “Cara Gente Branca”. Apesar do clima juvenil de séries sobre estudantes universitários, os alívios cômicos são constantemente interrompidos por demonstrações de racismo velado e de como ele afeta os personagens.
E o problema é mostrado nos mais diversos níveis: da garota que usa peruca para cobrir o cabelo na esperança de ficar mais parecida com as colegas e, assim, ser aceita no grupo, a uma das aulas de história em que a única pessoa negra presente é pressionada para dar sua opinião sobre a escravidão e dilemas mais profundos: “Nessa sociedade, uma pessoa negra precisa se provar 110% boa o tempo inteiro, ela precisa ser perfeita para ser considerada igual”, questiona um dos personagens.
E é claro que, nesse contexto, o “racismo inverso” também é colocado em pauta. Enquanto o grupo mais influente de alunos brancos se manifesta “contra o sistema” por meio de sátiras em uma revista publicada no campus, a manifestação dos grupos de alunos negros é muito mais dura, severa e crítica – e vista como violenta. Por isso, é claro, eles são acusados de serem os próprios causadores da segregação racial que a universidade vive, além de serem, quase sempre, responsabilizados por qualquer bagunça.
Em uma passagem chocante, numa discussão entre dois alunos, um negro e um branco, a polícia interfere e nem é necessário dizer qual deles precisa responder perguntas e provar que é aluno da instituição.
Cisões dentro do movimento negro
Um dos pontos altos da série é mostrar que o movimento negro não é um só. Dentro do próprio grupo, são diversas as subdivisões que, além de atuarem em frente diferentes, muitas vezes não concordam entre si e batem de frente. A própria Samantha, que tem os olhos claros e traços finos devido a sua etnia miscigenada, é questionada por outra garota – com a pele mais escura e traços étnicos mais marcantes, ela é vista de forma completamente diferente pela sociedade.
Lugar de fala
Outro ponto interessante é o relacionamento de Samantha com Gabe, que é branco. O romance já causa controvérsia dentro do grupo liderado por ela, mas tudo fica ainda mais delicado quando Gabe passa a frequentar algumas das reuniões. Sendo a única pessoa branca no meio, é difícil para ele encontrar seu lugar de fala e, apesar de ser o “descontruidão”, ainda mostra que nem toda a empatia do mundo é capaz de fazer alguém se sentir completamente na pele do outro.
Rápida de assistir – boa para uma maratona de final de semana –, “Cara Gente Branca” tem apenas 10 episódios de cerca de 25 minutos, mas levanta questões que poderiam se desdobrar por muitos mais episódios. Ao longo da história, a exploração do tema vai ficando mais densa e são tantos os exemplos que validam e legitimam a luta contra o racismo que vale refletir qual é o nosso papel nesse cenário e de que forma estamos lidando com o problema.
Vindo na carona de “13 Reasons Why”, “Cara Gente Branca” também levanta problemas primordiais que afetam direta e profundamente quem é alvo de discriminação – fora e dentro de seu próprio grupo – e questiona os tipos de relacionamentos que construímos, mesmo quando achamos que não fazemos parte do problema.
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