Estreia de Lázaro Ramos como diretor de cinema, “Medida Provisória” conta a história de um Brasil distópico sob um governo autoritário. Neste cenário, os negros são expulsos do país e enviados para viver na África — como forma de reparar os tempos de escravidão.
O longa-metragem foi filmado no primeiro semestre de 2019. De lá para cá, muita coisa mudou: o Brasil vive crises política, sanitária e econômica maiores e mais preocupantes. Por esse motivo, o lançamento da produção em abril de 2022 é tão importante neste momento — e mostra como o “futuro distópico” não está tão longe assim.
Elenco de “Medida Provisória” debate futuro distópico do filme
“Medida Provisória” tem roteiro baseado no sucesso teatral brasileiro “Namíbia, Não!”, de Aldri Anunciação. Escrito originalmente em 2011, Lázaro se apaixonou pelo texto e o adaptou para o cinema em 2015. O longa foi filmado em 2019, em diversas locações na cidade do Rio de Janeiro.
Para Lázaro Ramos, o filme é um alerta sobre coisas que a gente não quer que aconteça. “É um texto que veio do teatro pensando num futuro impossível de acontecer. Infelizmente de lá pra cá muito se assemelha a pontos da história contemporânea. E aí a ficção, mais uma vez, se confunde com a realidade”, contou o diretor em um bate-papo com a imprensa do qual o Zappeando participou.
Ao mostrar os negros sendo obrigados a voltarem para a África, “Medida” aborda temas importantes e que urgem maior debate no país: o racismo e a violência contra pessoas negras.
A população negra é a maior do Brasil e representa 56% dos 212 milhões de habitantes (de acordo com o último censo do IBGE), mas também é a mais vitimada. O estudo “Violência armada e racismo: o papel da arma de fogo na desigualdade social” — divulgado em novembro de 2021 pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) em conjunto com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) — indica que dos 30 mil assassinados por agressão armada em 2019, 78% foram pessoas negras.
Já uma pesquisa do Instituto Locomotiva, divulgada em abril de 2021, aponta que a relação do brasileiro com o preconceito racial é contraditória: a maioria dos entrevistados (84%) reconhece que o Brasil é um país preconceituoso em relação às pessoas negras, mas poucos reconhecem o preconceito em si (4%).
“A importância do filme chegar neste momento é mostrar que somos resistência. Mostrar que não queremos esse governo, essa pauta de costumes. O ‘Medida’ chega para dizer que não queremos censura, autoritarismo. Mostramos que se não cuidarmos e não discutirmos esses assuntos agora, daremos ferramentas para o mal. E o mal não descansa, não dorme. É preciso estar atento e forte”, afirmou Seu Jorge, que interpreta o jornalista André no longa.
Mariana Xavier, que dá vida à Sara, namorada de André, no filme, concorda com o colega de cena. Segundo a atriz, o Brasil está mais próximo do futuro distópico de “Medida Provória” do que o povo gostaria.
“Nós rodamos esse filme em maio de 2019. Na época, parecia que esse futuro estava distante. A gente achava que o futuro do governo seria ruim, mas não que seria tão ruim. Mas a arte tem esse papel de alertar, de abrir os olhos. Então, no fim das contas, está sendo muito bom que o filme estreie agora. Se ele tivesse sido lançado antes, talvez ainda parecesse uma fantasia. Agora estamos vendo que isso está muito perto de acontecer. A perseguição que acontece aos negros no filme, na prática, já acontece”, disse a atriz.