Conheça o homem que inventou o design de produção e revolucionou Hollywood

Cor, espaço, textura, arquitetura, objetos, acabamento de imagem: a direção de arte no cinema exige a sensibilidade de um Henri Matisse e foco mais abrangente que uma lente grande-angular. Mas, apesar de tudo, o diretor de arte tem que ter coerência – coerência com a dramaturgia, com a arquitetura do cenário, com as cenas e com o propósito do filme como um todo.

Quando premiações como o Oscar citam ‘ Melhor Design de Produção’, já imaginamos o quesito técnico. Mas essa técnica não é algo que Final Cut, Avid ou qualquer outro programa de edição de imagens corrige após as filmagens.

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O trabalho executado pelo designer de produção dá substância às imagens captadas. Ele tem que estar alinhado com o trabalho do diretor de fotografia – responsável por iluminações, sombras, enquadramento, correção de luz e afins.

O profissional considerado ‘pai’ do design de produção é William Cameron Menzies. Formado na Universidade de Yale e na prestigiada Liga dos Estudantes de Arte de Nova York, ele costumava criar ilustrações como forma de ‘advogar o lado artístico’ das câmeras. “Ele trazia o olhar do ilustrador para a câmera e a validade gráfica a uma forma artística que era mais teatral que cinemática”, escreveu o historiador de cinema James Curtis, no livro “William Cameron Menzies: The Shape of Films to Come”, lançado em 2015.

Ele começou trabalhando como assistente de Anton Grot, requisitado diretor de arte da era do cinema mudo em Hollywood. Com Grot, aprendeu a usar as ilustrações a favor da cena, e em sua estreia como designer, no filme “O Ladrão de Bagdad” (1924).

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Numa época em que ainda não havia cores nos filmes, Menzies fazia com que a arquitetura, o cenário e o figurino fossem parte de um mesmo elemento. O personagem principal, interpretado por Douglas Fairbanks, geralmente ficava centralizado, como se personificasse, subjetivamente, o maestro conduzindo todos esses elementos.

“Em vez de apresentar quartos vazios em tons carvão ou pastel, Menzies abordou o assunto como se ilustra um livro de histórias, fazendo de Bagdá tinta e aquarela vibrantes e posicionando Fairbanks com um caráter muscular no centro de cada cena”, explicou Curtis.

No filme “O Morcego” (1926), de Roland West, Menzies executou um trabalho diferente, com eixos mais escuros e janelas edificantes que dão grande sensação de isolamento. O filme foi adaptado de uma peça de teatro, mas, no cinema, conseguiu captar um efeito mais aterrador numa escala impossível de se obter nos palcos.

Por mais que fossem substanciais, as ideias de Menzies comprometiam o orçamento dos filmes – tanto que em “O Filho do Sheik” (1926) o budget estourou por conta de justaposições no cenário pedidas por Menzies.

Conforme o cinema se tornava mais artístico, William Menzies aprimorava suas técnicas do que se convencionava chamar ‘designer de interiores do filme’. Ele foi influenciado pelo expressionismo alemão de “Metropolis” (Fritz Lang) e “O Cabinete do Dr. Caligari” (Robert Wiene), que usavam a dimensão arquitetônica das paisagens como um ‘subtexto’ dos filmes. Assim, ele se moveu em direção a uma “fluidez de montagem e uma forma mais pura de cinema”, como diz Curtis.

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Em “Pecadora Sem Mácula” (1928), último filme com a atriz Norma Talmadge, no papel da mulher que tenta convencer um oficial russo a soltar prisioneiros conterrâneos de seu namorado austríaco, Menzies agrupou diferentes elementos que davam a entender como as pessoas julgavam a personagem, a partir da distância da câmera e do posicionamento da protagonista.

Mas foi com o trabalho em “…E o Vento Levou” (1939) que Menzies ganhou a alcunha de ‘designer de produção’, como disse David O. Selznick, produtor do clássico longa (antes, sua profissão era vista como designer de interiores de filmes). Seu reconhecimento foi tão valioso que a Academia criou uma categoria no Oscar especialmente “por sua maravilhosa realização no uso da cor para aprimorar o clima dramático”.

Menzies tentou fazer carreira como diretor – é dele o filme de ficção científica “Daqui a Cem Anos” (1936) – mas sua sólida influência como designer de produção foi realmente sua principal marca.

“Seu verdadeiro legado em Hollywood foi mostrar a possibilidade de trazer união e propósito ao olhar para um filme, transmitindo informação não-falada de um jeito que expandiu e aprofundou o impacto emocional do drama”, conclui Curtis. Não é um aspecto meramente técnico.

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