
Bárbara Heck, integrante do Grupo Pipoca do ” BBB22“, pode ter entrado como anônima para grande parte do País, mas seu rosto me despertou diversas memórias desde o dia do anúncio. Quando a gaúcha era mais nova e vivia com uma câmera digital na mão, foi ela quem escolhi para me aventurar no universo “fake” do extinto Orkut.
Criar um perfil fake na internet com fotos de outra pessoa pode ser considerado um crime, mas, no auge dos meus 11 anos, não se tratava de fingir ser alguém. Pelo contrário. Era um convite para descobrir quem eu era de verdade.
Seja com imagens de atrizes, cantoras ou até mesmo garotas desconhecidas (quem diria que Bárbara seria uma celebridade em 2022?), os perfis ganhavam vida e a oportunidade de criar novas narrativas no ambiente, que ninguém sabe ao certo como surgiu, dentro da póstuma rede social.
Quem eu era antes de Bárbara Heck

Com a internet, eu vivi tantas descobertas que, por vezes, eu nem me sentia dentro do quarto rosa pastel do apartamento em que morava. Criei meu primeiro perfil no saudoso Orkut em 2008, influenciada por amigas que estudavam comigo.
Era praticamente viciante para uma pré-adolescente, absurdamente curiosa e comunicativa, usar a rede social para escrever depoimentos e “scraps” com letras coloridas, descobrir as abreviações do mundo virtual, conhecer os familiares das meninas da escola e até saber como os “descolados” se comportavam naquela rede com apenas alguns cliques.
No perfil de minha amiga Bianca me chamou atenção as mensagens carinhosas de uma tal Geórgia: loira, de olhos claros, muita maquiagem, e que aparentava uns 20 anos de idade. Geórgia se declarava todos os dias com “eu te amo” e “você é minha melhor amiga”, sem que eu nunca tivesse visto ou ouvido falar sobre ela.
“É um fake meu”, me revelou Bianca, aos risos, em um intervalo das aulas. E, para minha surpresa, descobri que minha amiga se passava pela loira maquiada e também controlava o perfil do namorado fake de Geórgia. Eu não fazia ideia de que aquilo existia.
Quando eu descobri Bárbara Heck
Bianca, como uma guia turística, me ajudou a navegar pelo desconhecido no Orkut que, ao mesmo tempo que me causava medo, me provocava mais curiosidade. Nessas águas ainda novas para mim, descobri perfis de doações de fotos, com álbuns cheios de imagens de homens e mulheres que gostaríamos que dessem vida aos nossos “fakes”. O nome do álbum era o nome verdadeiro da pessoa.

As mulheres e garotas eram mais velhas do que nós, brancas, cabelos lisos, loiras, morenas, ruivas, muito magras e, quase sempre, com brincos de argolas ou pingentes. Elas se clicavam sozinhas (e com amigas) segurando câmeras digitais em frente ao espelho, faziam bicos, mostravam a língua, sorriam…
Nos verdadeiros perfis delas no MySpace, Flogão, Fotolog e Tumblr (um tempo em que a internet “ainda era mato”), elas chamavam atenção pela aparência e estilo de vida. Assim, diz a lenda, viravam fakes.
Algumas odiavam ter suas fotos usadas e já nem mantinham perfis na rede, mas outras só pediam que os fakes não fingissem ser elas, apesar do “empréstimo” da imagem. Os nomes dos fakes eram bem caricatos, justamente para se diferenciarem do que era real no Orkut.
As garotas emo também marcavam presença, sendo que muitas nem eram brasileiras. Com madeixas coloridas, lápis nos olhos, roupas pretas e piercings, elas tinham a personalidade desejada aos perfis fakes de quem gostava do estilo que bombou durante a primeira década dos anos 2000.
Eu usava óculos, tinha cachinhos nos cabelos sempre presos e era vista como muito magra perto das amiguinhas que já começavam a ter seios. Em um dos primeiros álbuns que vi no perfil de doações, achei “Bárbara Heck”. Gostei da ideia de colocar a garota loira de olhos azuis e mais velha do que eu no perfil que criaria. Com as fotos dela, criei o fake e coloquei o primeiro nome que surgiu em minha cabeça: Larissa Prado.
Um dos principais meios de doações de fotos e fakes, além do Orkut, era através dos fotologs. pic.twitter.com/C69lc5en9m
— Bárbara Heck (@bbaheck) January 15, 2022
Não demorou para que homens mais velhos mandassem solicitações de amizade para “Larissa”. Nos poucos casos em que aceitei, o protocolo da paquera não falhava, mas eu não estava interessada. Eu aproveitei para buscar apenas uma atenção em especial. Lembra dos garotos descolados mais velhos da escola? O Felipe era um deles.
Mandei solicitação com o perfil dela e fiquei toda vermelha e sorridente ao vê-lo responder com um “scrap” no mural de recados: “Bem-vinda! Você é muito simpática.” Nada aconteceu para frustração da pré-adolescente com paixonite. Tempos depois, mudei o nome do fake para Pii Menta.
quem lembra quando a bárbara heck era fake do orkut??? #bbb22 pic.twitter.com/CqJNJ5NpKz
— Julia 🇵🇸 (@juishott) January 18, 2022
O mundo fake do Orkut
Grudada na tela do computador fui ficando mais íntima do universo fake do Orkut. Várias outras amigas também tinha perfis falsos e se encontravam nas comunidades virtuais. Algumas famosas eram “Praia Fake”, “Balada Fake” e “Acampamento Fake”.
Nas comunidades, os gestos da vida real eram traduzidos no gerúndio e entre asteriscos, por exemplo:
quote: *bebendo uma cerveja e observando as pessoas*
Podíamos adicionar uns aos outros, encontrar alguém para namorar à distância e até formar “famílias” — bastava você encontrar alguém que quisesse ser sua mãe no fake para aquela pessoa agir como se fosse.
eu vou torcer pela barbara heck já namorei uma no orkut pic.twitter.com/TxjVSMvB65
— dinho (@brucewoyne) January 14, 2022
A convivência poderia se estender no MSN (passar o endereço de e-mail de lá equivaleria a passar o WhatsApp hoje), às vezes SMS no celular, mas o Orkut era o ponto de encontro principal.
“Dicas para não ser capenga” era um tópico comum nas comunidades. Escrever com fontes muito diferentes e abusar de palavras coloridas era rejeitado. Isso fazia o perfil se tornar “capenga”.
Bárbara Heck era bastante popular, assim como M*R*, outra garota de beleza padrão, que hoje sei que trabalha com arquitetura, tão real e comum que talvez seja melhor proteger sua identidade. Era rotineiro que fakes delas se chamassem de melhores amigas, irmãs, primas, ou que fossem até mãe e filha naquele ambiente digital.
A BARBARA HECK DO ORKUT!!!! ELA EH CAMAROTE BONINHO CONSERTA ISSO!!!!
Eu tinha um fake dela que se chamava SORAIA pic.twitter.com/uFa9CLStzX
— anne (@disassocianne) January 14, 2022
Os fakes masculinos, quando não identificados com avatares de atores ou cantores, eram preenchidos com fotos cheias de filtros de garotos de 15 a 20 anos. Usavam corte moicano ou franjinha, óculos de sol no estilo aviador, eram loiros, morenos, malhados, tinham registros sem camisa e mostrando a língua… Fazer careta para a câmera era praticamente pré-requisito para alguém fazer um fake seu.
Nas doações de fotos, esse estilo era chamado de “playsson”, assim como as meninas que usavam franja e às vezes bonés eram as “cocotas”. Tais gírias do Rio de Janeiro talvez entregassem de onde vinham muitos dos adolescentes que estavam por trás dos perfis falsos. Quem dava vida ao fake era conhecido como o “off”. “Como está o seu off?” era o convite para uma conversa mais pessoal e íntima, por exemplo.

Fiz diversas amizades dentro do que foi o fake e mantive uma rotina com elas (até mais agradável do que era a do mundo real, apesar de sempre ter sido extrovertida). Também tive mais perfis com fotos de adolescentes famosas na internet até 2012, com o Facebook assumindo a importância do Orkut. A brincadeira online não tinha julgamentos e era leve viver uma identidade perfeitamente criada.
O maior aprendizado que trago comigo dessa época é que palavras – especialmente digitadas – são potentes. Com elas, era fácil se aproximar ou mesmo arranjar briga com desconhecidos de qualquer canto do planeta.
“O medo é nossa proteção”, repetia minha mãe, que não deixava de estar por dentro do que eu fazia no computador. Mas o fato de ela ter confiado no que me ensinou sobre o mundo e as relações humanas foi exatamente o que fez eu não querer decepcioná-la, além de eu mesma estipular limites.
Bárbara Heck na vida real

Atualmente, os artistas da televisão mostram quase tudo da vida deles nas redes sociais e ainda assim despertam curiosidade. Nossa imaginação, na época, era triplicada com os fakes famosos, dos quais ninguém sabia quase nada, idade exata, de que lugar do Brasil eram ou o que faziam. Especialmente a minha com Bárbara.
Com o nome dela no Google, descobri que ela era do Rio Grande do Sul e, pelo YouTube, que tinha duas irmãzinhas gêmeas e bem pequenas na época. Pelo seu sotaque nos vídeos, associei com a região e foi a partir disso que soube como gaúchos falam.
Imaginar como era a rotina dela, sua personalidade e ver os locais onde Bárbara posava para as fotos, me fazia pensar se um dia eu conheceria um pouco de tudo aquilo.

Estive em Gramado em 2019, mas minha criatividade já havia me levado ao Sul tempos antes, estando em meu quarto com beliche. Também vivi as festas que ela costumava ir, me tornei amiga de caras descolados – semelhantes aos que me causavam interesse quando mais nova e que pareciam tão distantes – e hoje me sinto bem mais em paz com a minha aparência e com quem, de fato, eu sou.
Quanto à Bárbara Heck, talvez eu saiba um pouco mais dela no “BBB 22”, assim como as muitas outras que também “foram” ela pelo Brasil. E eu adoraria poder contar tudo o que eu descobrir para aquela Bruna ansiosa de apenas 11 anos.
