Há 25 anos, o rock está órfão sem Cazuza; relembre sua trajetória

Não é exagero dizer: quando morreu, em 7 de julho de 1990, Cazuza deixou o rock nacional órfão. Sua poesia ácida refletia um País já exausto da Ditadura Militar, que estava prestes a acabar quando lançou, em 1985, seu primeiro disco solo.

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“Exagerado” trazia a inconfundível faixa-título, reproduzida inúmeras vezes por inúmeras bandas. Uma das principais características do álbum é evidenciar paixão e revolta de forma que se identifica com cada um que o ouve.

Após sair do Barão Vermelho, banda que liderou por quatro anos, quis ter maior liberdade de composição. De cara, “Exagerado” foi um sucesso: além da alta vendagem, projetou a carreira de um artista que, em pouco tempo, fez valer o seguinte termo: “Quem não sonha, não dança”.

Conheça a trajetória de Cazuza, que nos deixou há 25 anos: Agenor

Agenor Miranda de Araújo Neto só começou a gostar do nome de batismo quando descobriu que um de seus ídolos, Cartola, tinha nome parecido: Angenor. (Sua devoção para com o sambista era tão fiel, que chegou a registrar uma versão de “O Mundo é um Moinho”.) Cazuza era filho único de uma família de classe média alta no Rio de Janeiro: seu pai, João Araújo, fundou a gravadora Som Livre, que revelou nomes importantes da música brasileira, como Caetano Veloso, Gal Costa, Djavan, entre outros. No Barão Vermelho

Atendendo ao pedido de entrar numa banda que ainda não tinha vocalista, Cazuza tornou-se líder e principal compositor do Barão Vermelho após Leo Jaime, recusado por não ter os timbres adequados para a banda, indicá-lo. Canções como “Todo Amor que Houver Nessa Vida”, “Pro Dia Nascer Feliz” e “Bete Balanço” sedimentaram a parceria do compositor com Frejat. Em 1985, porém, Cazuza decidiu abandonar a banda, alegando ser “muito egoísta para dividir a atenção e os palcos”. “Codinome Beija-Flor”

Antes de lançar o primeiro disco, “Exagerado”, Cazuza foi hospitalizado meses antes por conta de uma pneumonia. No Hospital São Lucas, em Copacabana, escreveu “Codinome Beija-Flor”, que tornou-se uma de suas canções mais célebres. Naquela época, ele havia pedido um exame HIV, mas os testes ainda eram imprecisos e o resultado deu negativo. Destaques do primeiro disco

Além da faixa-título, o disco “Exagerado” trazia colaborações ilustres. Lobão ajudou a compor “Mal Nenhum”. A já mencionada “Codinome Beija-Flor” foi escrita em parceria com Ezequiel Neves, que ajudou a produzir o disco, Reinaldo Arias e Howard Ashman. “Balada de Um Vagabundo”, de Waly Salomão, é a que traz a história mais interessante: o compositor se inspirou num polêmico episódio em que Cazuza saiu pelado pelos corredores de um hotel na Bahia, gritando, porque não conseguia usar o telefone. “Aquilo era tão Antonioni”, disse Waly. Ah, e Frejat, que também colaborou nessa letra, ajudou a compor outras três: “Boa Vida”, “Só as Mães São Felizes” (inspirada no escritor beat Jack Kerouac) e “Rock da Descerebração”, que encerra o disco.
“Cantor de churrascaria”

Admitindo um lado “cantor de churrascaria”, Cazuza partiu para a MPB em seu segundo disco. “Só Se For a Dois” estava pronto em 1986, mas a gravadora Som Livre dissolveu o cast, e o compositor o lançou no ano seguinte, pela Polygram. Em entrevista à revista Bizz, Cazuza disse: “Esse disco é muito romântico, é de uma fase até meio triste, mas acho que foi uma fase válida. O que aconteceu é que nas minhas letras eu tento debochar da dor, porque o rock abre essa possibilidade”. Destaques para “O Nosso Amor a Gente Inventa” e “Solidão Que Nada”.
“Ideologia”

Quando começou a escrever “Ideologia”, o terceiro disco, Cazuza já sabia que tinha HIV positivo. Ele foi se tratar em Boston (EUA) e passou a tomar o remédio AZT. Carregado de uma intensidade lúgubre, o disco de 1988 vendeu mais de dois milhões de cópias, faturando o Prêmio Sharp de “Melhor Álbum”. Além da notória faixa-título, o álbum é repleto de hits, como “Brasil” (tema da novela “Vale Tudo”), “Guerra Civil” e “Faz Parte do Meu Show”. Vida amorosa

Declarado bissexual desde os 18 anos, Cazuza chegou a pagar o aborto de uma namorada quando jovem e, tempos depois, namorou a produtora de eventos Patrícia Casé, irmã da apresentadora Regina Casé. A mais conhecida – e fulminante – paixão de Cazuza foi com o também cantor Ney Matogrosso. “Foi um grande amor mesmo. Ele era encantador e apaixonante. Não tinha absolutamente nenhuma agressividade, era um anjo caído do céu. E eu fiquei apaixonado de perder a direção”, disse Ney à mãe de Cazuza no livro “Só as Mães São Felizes”. O relacionamento terminou porque, depois de sumir, Cazuza apareceu com outro rapaz. “Cazuza não se entregava ao amor”, conta sua mãe. “Tinha medo de se machucar”. Sua relação mais duradoura foi com o ator Sérgio Maciel: eles ficaram quatro anos juntos. O tempo não para

Em seu último disco ao vivo, Cazuza viu a canção “O Tempo Não Para” atingir grande sucesso comercial. O álbum, de mesmo nome, teve show dirigido por Ney Matogrosso numa turnê de “Ideologia” e vendeu mais de 1 milhão de cópias só naquela época (1989). Último disco

Mesmo tomando medicamentos por conta da Aids, Cazuza continuou sua vida de excessos (com sexo, drogas e bebidas), e isso comprometia suas apresentações. Num show em Recife (PE), em janeiro de 1989, insultou a plateia, dizendo que era culpa do AZT, “o soro da verdade”. Internado em março do mesmo ano, por conta de uma hepatite, Cazuza saiu do hospital numa cadeira de rodas, mas, mesmo assim, decidiu gravar mais um disco. “Burguesia” é um álbum duplo, com 20 canções, e mostra sua voz rouca, debilitada em função de sua doença – algumas músicas, inclusive, foram gravadas na cama. Além da faixa-título, destaque para as tristes “Cobaias de Deus” e “Quando Eu Estiver Cantando”, que encerra o disco de forma melancólica: “Peço a Deus que me perdoe no camarim”. Triste morte

Cazuza teve que viajar mais uma vez para Boston, para tratar de uma infecção com citomegalovírus, do mesmo vírus da catapora e herpes, contraído por conta de baixa imunidade. Lá, os médicos deram a triste notícia de que não havia mais nada a fazer. De volta ao Brasil, pesando apenas 38 quilos, morreu por conta de um choque séptico, na casa dos pais, aos 32 anos.