De Bob Marley a Nina Simone, conheça 13 músicas sobre escravidão

A assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, em 13 de maio de 1888, aboliu a escravidão no Brasil (127 anos atrás) – na teoria, já que a lei foi adaptada e reescrita ao longo daquele século por conta das pressões do Reino Unido, que queria fazer com que os negros tivessem sua própria renda, para consumir os produtos industriais que exportava para o País.

A inserção do negro na sociedade passou a ser a grande dificuldade dos ex-escravos. Nunca houve uma política de integração e, graças a isso, o preconceito racial perdurou por séculos – tanto que ainda hoje se discute sobre o assunto, e não só no Brasil.

A escravidão já foi tema de canções – algumas revoltosas, outras nem tanto – sob inúmeras situações: dos plantadores de algodão no Sul dos Estados Unidos à revolução dos quilombolas no século XVII no Brasil, passando pelas lutas dos direitos civis, a hierarquia nos engenhos de cana-de-açúcar e a opressão em países africanos.

Conheça, a seguir, 13 músicas sobre escravidão, em diferentes contextos:

Billie Holiday: “Strange Fruit” (1939)

Composta pelo professor Abel Meeropool, com o pseudônimo Lewis Allan, “Strange Fruit” relembra a história de dois negros que foram linchados no estado de Indiana (EUA). Acusados de assassinar um trabalhador branco e estuprar a mulher dele, Thomas Shipp e Abram Smith foram pendurados numa árvore, o que motivou o famoso termo da composição: ‘Frutos estranhos pendurados nas árvores de álamo’. Diversos intérpretes gravaram suas versões, mas foi a cantora Billie Holiday quem trouxe a carga de densidade que o tema pedia. Mostrada ao público pela primeira vez em 1939, a versão de Billie de “Strange Fruit” foi incluída na seleta lista “Songs of the Century”, da Recording Industry of America.

Pete Seeger: “We Shall Overcome” (1960)

Ao lado de Woody Guthrie, Pete Seeger é um dos maiores nomes quando se fala em folk de protesto. Um dos grandes ídolos de artistas como Bob Dylan e Bruce Springsteen, Pete Seeger foi um dos responsáveis pela popularização do ‘spiritual’ “We Shall Overcome” durante a luta pelos direitos civis, nos anos 1960. Mais conhecido na voz de Joan Baez, o single foi inspirado na canção “I’ll Overcome Someday”, composta pelo reverendo Charles Tindley, no início do século XX. “Todos seremos livres algum dia”, diz a canção. “Oh, no fundo do meu coração”.

Sam Cooke: “A Change is Gonna Come” (1963)

A trajetória de um homem negro nos Estados Unidos que ouve “alguém dizendo pra não ficar andando por aí”. O pano de fundo era a Guerra dos Direitos Civis, momento em que ativistas como Rosa Parks e Marthin Luther King Jr. bradavam pelos direitos iguais, independentemente da cor ou raça. Os arranjos orquestrais da canção evidenciam a profundidade do assunto, mas “A Change is Gonna Come” mostra um personagem otimista naqueles anos turbulentos. Foi o maior sucesso de Sam Cooke – pena que o promissor cantor, que abriu diversos caminhos para o R&B e a soul music, viria a falecer em 1964, após ser baleado pelo gerente de um motel, em Los Angeles.

Nina Simone: “Mississipi Goddam” (1964)

Nina Simone tornou-se uma das principais ativistas na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. “Mississipi Goddam”, uma de suas composições mais ácidas, pode enganar os primeiros ouvintes por sua levada de dois compassos ágeis ao piano. Gravada em um dos três concertos de Nina no Carnegie Hall, em 1964, a canção denuncia o estado que colocou o assassino do ativista negro Medgar Evers em liberdade. Formado em Administração, Evers levou a discussão da posição dos negros às universidades. “Percebi ali que não teria volta”, declarou Nina Simone, tempos depois. Censurada em alguns estados por conta do nome da canção (‘goddamn’ é gíria para ‘maldição’), “Mississipi Goddam” evoca falas de patrões criticando trabalhadores negros (“pegue o algodão”, “você é um maldito preguiçoso”) e clama, com voracidade: “Apenas me dê a igualdade”. Neste ano, será lançado um documentário sobre a cantora, com direção de Liz Garbus.

Mississippi John Hurt: “I Shall Not Be Moved” (1965)

“I Shall Not Be Moved” é um ‘spiritual’ que remonta às épocas de escravidão, nos primeiros anos do blues. Já regravado por Charley Patton, Elvis Presley, Ella Fitzgerald, entre outros, a versão do bluesman Mississippi John Hurt tornou-se uma das mais célebres. Na canção, o personagem “não quer se mover”, cansado do trabalho árduo, ficando “apenas como uma árvore, plantada pela água”.

Jorge Ben: “Zumbi” (1974)

Na segunda metade do século XVII, o Brasil, colonizado, era mais ou menos assim: ‘De um lado, cana-de-açúcar/Do outro, cafezal/Ao centro, senhores sentados/Vendo a colheita do algodão branco/Sendo colhidas por mãos negras’. Jorge Ben cria a expectativa da chegada de Zumbi dos Palmares, o líder dos quilombolas que libertou escravos em diversos territórios da região Nordeste do País. “Quando Zumbi chega/É Zumbi é quem manda”, imagina o compositor em uma das principais canções do álbum “A Tábua de Esmeralda” (1974). Esta letra foi citada por diversas bandas posteriormente, como Planet Hemp e Soulfly, de Max Cavalera.
Dorival Caymmi: “Retirantes” (1976)

Um dos principais temas da novela “A Escrava Isaura” (1976) foi composto por Dorival Caymmi e seu compadre, o renomado escritor Jorge Amado. Apesar do sucesso da novela, porém, “Retirantes” havia sido anteriormente preparada como trilha da peça “Terras do Sem Fim”, adaptação do primeiro livro de sucesso do escritor. Entre a ‘vida difícil’ de servir e a impossibilidade de ter uma relação amorosa, em poucos versos Dorival coloca-se na pele de um escravo que vê na fuga a única possibilidade para sua história mudar de rumo: “Meu amor eu vou-me embora/Nessa terra vou morrer/O dia não vou mais ver/Nunca mais eu vou te ver”.

Clara Nunes: “Canto das Três Raças” (1976)

A resistência dos índios, a batalha dos negros contra a escravidão, a revolução dos Inconfidentes: estas são as ‘raças’ mencionadas na canção de Clara Nunes. São elas que representam a resistência. “Um lamento triste sempre ecoou”, diz a cantora, ao mencionar os sofrimentos a eles impostos. “Canto das Três Raças” foi composto por Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, futuro marido da cantora. Já firme como uma das grandes intérpretes do samba, Clara Nunes cantou a miscigenação do Brasil como ninguém, ressaltando suas virtudes e deflagrando a crueldade dos exploradores, do colono do século XVI ao empresário dos anos 1970.

Fela Kuti & Afrika’ 70: “Zombie” (1977)

Para Fela Kuti, o termo ‘zumbi’ servia para designar a ‘cegueira’ e os métodos assassinos dos militares nigerianos. O músico era um crítico ferrenho da política de seu país: chegou a criar a República de Kalakuta, formada por seus músicos e parentes que formavam oposição ao governo do ditador Olusegun Obasanjo. Desde o início dos anos 1970, depois de estudar na Europa e tocar nos Estados Unidos, Fela Kuti retornou ao seu país de origem com um olhar afiado: assim nasceu o gênero afrobeat, que combinava elementos musicais jazzísticos a uma postura ativista de crítica política. “Zombie” foi uma de suas composições mais emblemáticas: sua dança inseria o termo ‘escravidão’ tanto aos oprimidos pelo regime, como aos aparatos dos opressores – nesse caso, os militares. As represálias do governo nigeriano foram cruéis: Obasanjo mandou destruir o estúdio de Fela, queimou a Kalakuta e mandou espancá-lo. Mas o mais traumático disso tudo foi a ordem de jogar a mãe de Fela, Funmilayo Ransome-Kuti, pela janela de um prédio alto. Meses depois, ela morreria.
Wilson Moreira & Nei Lopes: “Noventa Anos de Abolição” (1979)

Os compositores cariocas Wilson Moreira e Nei Lopes compuseram “Noventa Anos de Abolição” como samba-enredo para o desfile da escola Quilombo, no Carnaval de 1979. “Hoje a festa é nossa/Não temos muito para oferecer”, canta Wilson. “Todo mundo unido pelo amor/Não importa a cor, vale o coração”. A música é uma homenagem aos então 90 anos da assinatura da Lei Áurea. Eles não ovacionam a Princesa Isabel; lembram Zumbi, os quilombolas e profetizam: “Quilombo vem mostrar que a igualdade/O negro vai moldar com a própria mão/Quem luta pelo seu lugar ao sol/Não é só bom de samba e futebol’.

Bob Marley: “Zimbabwe” (1979)

No auge de sua carreira, o jamaicano Bob Marley, depois de deflagrar a opressão da influência norte-americana no governo jamaicano, decidiu fazer um tour pelo mundo. Quando chegou à África, viu que a colonização era tão ou mais grave que a situação de seu país de origem, e partiu para uma militância política no continente que seguiu até o fim de sua vida, em 1981, quando morreu de câncer no cérebro. A canção “Zimbabwe” ficou eternizada no show feito em 17 de abril de 1980, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Grã-Bretanha reconheceram a independência do Zimbábue após sangrentos conflitos políticos com a Rodésia do Norte. “Todo homem tem o direito de decidir o seu destino”, canta Bob, em uma de suas canções mais emblemáticas. A canção ficou registrada no disco “Survival” (1979).

Kanye West: “New Slaves” (2013)

Provocativo, o rapper Kanye West faz um breve traço de sua origem para, então, soltar: “Todos vocês, negros, querem as mesmas coisas”. Ele cita os símbolos de riqueza da atualidade (como correntes de ouro e um Benthley) e não se exime de culpa: “Sei que somos os novos escravos”. “New Slaves” é uma das muitas pancadas que o rapper dispara em “Yeezus” (2013), seu último disco de estúdio.

Matana Roberts: “All is Written” (2015)

A escravidão e o comportamento da comunidade negra na era pré-abolicionismo são temas centrais da obra de Matana Roberts. Desde 2011, ela empreende uma longa jornada em busca de evocar sentimentos perdidos de dores, perdas, tristezas e sofrimentos de uma sociedade que ainda estava se configurando nos Estados Unidos. A série “Coin Coin” já chegou ao seu terceiro capítulo em “River Run Thee”, disco lançado no início de 2015. Em “All is Written”, seu jazz spoken-word aborda a questão de maneira filosófica: “Vivo pelas regras da eternidade/Mas, agora, a minha consciência me despreza”.