Como o “Pica-Pau” antigo, doido e selvagem revolucionou as animações

Com o passar dos anos, “Pica-pau” trouxe muitas controvérsias por conta das maldades do pássaro amalucado que tira vantagem dos outros com o mesmo afinco que se esquiva das maldades de adversários como Zeca Urubu e Leôncio.

As risadas extravagantes e as pancadas antológicas do desenho podem compor um “estalo de arte moderna”, de acordo com Tom Klein, especialista na obra de Shamus Culhane, que dirigiu as animações do personagem em seu período mais criativo.

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Cinema experimental russo

Nos anos 1940, Culhane processou bastante a influência de cineastas experimentais, como os russos Sergei Eisenstein e Vsevolod Pudovkin. “Culhane claramente estava em seu melhor período no primeiro ano nos estúdios”, argumenta Klein.

Com a teoria desses pioneiros, Culhane também absorveu como a música era importante para se criar um cartoon de qualidade. É possível ver esse impacto estético no episódio “O Barbeiro de Sevilha”, de 1944: com um novo visual, que mostra a barriga branca e as clássicas pernas azuis e penas de cauda, Culhane mostrou a desenvoltura do personagem fazendo o trabalho de barbeiro ao som da ópera “Largo al  Factótum”, de Gioachino Rossini, tão italiano quanto o proprietário da barbearia, Tony Figaro, que nem aparece no episódio. “A cada golpeada a lâmina parece que vai errar, enquanto a ária [a parte do solista] da música continua”, analisa Klein.

Uma das inovações que Culhane trouxe ao desenho foi a técnica conhecida como swish pan, onde ocorre uma transição de objetos e cenas como se estivessem surfando, de maneira ágil. De acordo com o Tom Klein, um dos primeiros episódios a trazer essa inovação foi “Esqui para Dois”, 12º capítulo.

Apesar de Culhane ser um dos principais nomes por trás do “Pica-pau”, não foi ele quem o criou. Seus primeiros esboços surgiram em 1940, pelo cartunista Ben ‘Bugs’ Hardaway, com supervisão de Walter Lantz, dono do estúdio que concebeu o desenho.

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Pica-pau maldoso é o melhor

Culhane, de fato, foi responsável por moldar e definir o que o “Pica-Pau” realmente representou nos anos subsequentes: seu caráter espertalhão, quase malévolo ganhou contorno artístico em suas mãos justamente porque o desenho, para ele, deveria ser cauteloso no uso da trilha sonora e na forma com que o personagem interage, fazendo uso de elementos complexos do cinema.

A importância estética de “Pica-pau” vai além do cinema experimental russo. Culhane também revelou beber da escola europeia, citando o austríaco Fritz Lang e o francês Jean Renoir como influências. No episódio “O Biruta à Solta”, ele criou um “lampejo de imagens díspares” que dava sentido frenético a uma explosão, mostrando influência das artes plásticas – provavelmente o animador abstrato Oskar Fischinger seja referência.

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Culhane também fez outras realizações nos estúdios Walter Lantz – como “Pied Piper of Basin Street”, que mostra uma cidade tomada por ratos, até que um músico resolve ajudar o prefeito, ajudando os roedores a sair seduzidos por suas notas no trombone (performance creditada a Jack Teagarden).

http://www.dailymotion.com/video/xynpm_pied-piper-of-basin-street_fun

Com o passar dos anos o “Pica-pau” pode ter mudado, mas é a “caracterização selvagem e doida que proporcionou uma oportunidade ideal para as travessuras modernizadoras de Culhane, misturando vigor frenético nessas animações”, concluiu Klein.

Pode-se dizer, então, com propriedade: o Pica-Pau maluco é o melhor de todos.

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