Em um debate sobre assédio sexual, o programa “Encontro com Fátima Bernardes”, da TV Globo, levantou discussões importantes sobre violência contra mulheres. Com participação dos jornalistas Lair Rennó e Maíra Azevedo, da atriz Júlia Lemmertz e da pedagoga Caroline Arcari, uma fala do artista convidado, Luiz Carlos, vocalista do grupo Raça Negra, repercutiu por ressaltar um comportamento perigoso: culpabilização das vítimas.
Durante a conversa, a apresentadora puxou uma discussão sobre os diversos casos de abuso que acontecem dentro da casa das vítimas e nas escolas. Luiz Carlos afirmou que, além de punir os abusadores, as meninas também deveriam deixar de ter atitudes que, segundo ele, poderiam “chamar a atenção”.
“Vemos meninas de 12 anos que querem se portar como adultas, mas são crianças. Precisamos prestar atenção e dizer ‘minha filha, não achei legal essa roupa. Vai para escola assim? O que esse batom vai significar?’”, disse.
O problema é que esse discurso, mesmo sem a intenção, desvia a atenção do problema de verdade, que são os criminosos.

A culpa nunca é da vítima
O jornalista Lair Rennó rebateu a afirmação. “A mulher pode sair com a roupa que ela quiser. O homem que é abusador é que deve ser preso”, disse. E Fátima Bernardes endossou com um dado que comprova: a roupa que a mulher usa não é causa do estupro. “Na Índia, com uma cultura em que as mulheres precisam sair mais cobertas, o índice de estupro é alto”, comentou.
A ideia de alertar sobre o que vestir ou como se comportar reforça um conceito que arrisca a vida e a dignidade de centenas de mulheres e meninas diariamente. Ao dizer que esta ou aquela roupa chamam atenção fica a mensagem de que o abuso acontece por que a vítima “não se deu ao respeito” ou pior ainda: que incitou o abusador.
Assim, é claro que pedir para uma menina não usar um shorts para ir à escola, como foi discutido no debate, não resolve de forma alguma o problema enraizado da violência contra mulheres. Ao contrário: só reforça estereótipos e preconceitos de gênero que, mais uma vez, arriscam a vida de muitas pessoas.

Por isso, é interessante se atentar também à fala da pedagoga, que respondeu o argumento do vocalista do Raça Negra. “Falamos das meninas, das roupas que elas usam. Mas em que momento estamos conversando com os meninos que não importa a roupa deles, ele não pode assediar?”, questiona.
Romper com o conceito nocivo de que uma vítima tem o poder (ou o dever) de evitar que um crime aconteça é fundamental. É o primeiro passo para que o assédio não seja tratado como um comportamento normal e sem gravidade.
Assédio e abuso sexual
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