Até o dia 10 de junho o cinema Caixa Belas Artes, em São Paulo, exibe a mostra “New Queer Cinema: Cinema, Sexualidade e Política”. Ao todo, serão exibidos 27 filmes estrangeiros independentes, produzidos nos anos 1980 e 90, além de quatro títulos nacionais lançados em 2013 e 2014.
A mostra teve início em 27 de maio e já levou novamente às telonas filmes como “Tatuagem” (2013), de Hilton Lacerda, e “Seams” (1993), de Karim Aïnouz. A programação ainda conta com a exibição de “Doce Amianto” (2013), de Guto Parente, e “Swoon: Colapso do Desejo” (1992), de Tom Kalin ( veja a programação completa no site oficial da mostra).
O produtor Mateus Nagime, 28 anos, é um dos curadores da mostra, ao lado de Denilson Lopes. Em entrevista exclusiva ao Batanga, ele falou sobre o que esperar da mostra, como o debate sobre a comunidade LGBTQ avançou nas últimas décadas e as perspectivas para o New Queer Cinema. “É bom que estas visões, essas expressões artísticas estejam sempre disponíveis e sendo discutidas”, analisa.
O tema é polêmico e, claro, envolve um debate amplo sobre sexualidade no cinema: “Quem disse que pornô não é arte ou não é filme?”, provoca Nagime. Confira a entrevista:
Batanga: Quando foi idealizado, por volta dos anos 1980, o movimento New Queer Cinema tinha como premissa enfrentar a onda conservadora que surgiu após os casos de Aids. Acredita que a sociedade evoluiu de lá pra cá? De que maneira?
Mateus Nagime: Acredito que sim, no sentido de que existe um posicionamento mais amplo. Ao mesmo tempo, enquanto os LGBTQ e outros grupos historicamente oprimidos ganham mais espaço, forças conservadoras se posicionam para combater. Ao menos hoje o debate está mais amplo e visível.
B: Quando os cineastas brasileiros decidiram que era hora de abordar este tema em suas produções? Quais são as obras pioneiras?
MN: Acredito que hoje os cineastas estão respondendo questões que são caras a eles, seja em termos narrativos e, especialmente, em termos de linguagem cinematográfica. Para muitos deles, não é necessário fazer filmes que sirvam de ferramenta social e educativa, enquanto outros já seguem neste caminho, mas sem deixar de corromper uma visão artística (caso de Daniel Ribeiro, por exemplo, diretor do excelente “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”). E o caso dele é exemplar: para Daniel, ainda é importante fazer filmes para um público mais jovem, que ainda está se descobrindo sexualmente. Isso é queer, como também Gustavo Vinagre, que faz um filme (“Nova Dubai”) que se relaciona a uma produção pornográfica – aliás, quem disse que pornô não é arte ou não é filme?
Alguns são diretores mais velhos, outros recém-saídos de universidades, como Leonardo Mouramateus. Talvez tenha sido um momento em que, como num zeitgeist, eles perceberam que era o momento para expor essas visões de mundo, e que havia espaço para seus filmes e suas ideias.
Não existem obras pioneiras; é o conjunto destes filmes que promove um movimento. Claro que “Madame Satã” (2002), de Karim Ainouz, pode sempre ser considerado um catalisador, uma referência – visto a quantidade de vezes em que é citado nas dezenas de textos presentes no catálogo que acompanha a mostra – mas acredito que não tenha sido um filme ou outro, tanto que demorou cerca de 10 anos para essa nova geração produzir filmes queers de forma sistemática.
B: Produções nacionais que vão do curta “Seams” ao premiado longa “Tatuagem” integram a mostra. De que forma estes filmes dialogam (ou se diferenciam) da produção do Queer Cinema como um todo?
MN: Foi um movimento coletivo, no sentido de que os filmes circulavam os festivais, os diretores debatiam suas obras e suas visões de mundo e sexualidade influenciavam outros.
O próprio “Seams” já apontava questões muito intrínsecas ao fator brasileiro (mesmo que tenha sido concebido nos Estados Unidos), como identidade nacional, de raça e de classes sociais, ainda pouco debatida nos filmes queers americanos, por exemplo. “Garotos de Programa” é o filme que melhor trabalha isso. E esses filmes brasileiros têm uma questão muito referente ao espaço urbano, à cidade, à construção de comunidades.
“Tatuagem”, por exemplo, utiliza muito bem a questão circular da cidade, principalmente aos olhos de alguém que nunca foi ao Recife. Já “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” (2014) se afasta um pouco da cidade. Lembra o clássico paulista “O Grande Momento”, de 1958, e parece responder a uma necessidade de ser universal.
B: Quais filmes da mostra devem deixar os espectadores mais perplexos? Por quê?
MN: Acredito que “No Skin Off My Ass” é bem interessante ao se aproximar de uma linguagem pornográfica. “Batguano” aponta Batman e Robin como um casal gay velho em um mundo dominado por imagens falsas. Assim como “Doce Amianto”, mexe muito numa questão de gênero e identidade. De qualquer forma a missão da mostra nunca foi chocar e, sim, apresentar algo tão natural quanto todos os outros filmes em circuito atualmente, da ação à comédia.
B: Apesar da consolidação de um evento importante como a Parada Gay e a firme presença do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) na luta pelos direitos LGBT, é comum depararmos com tristes notícias, como casos em que gays são espancados nas ruas e o fortalecimento de grupos conservadores que dizem não aceitar a homossexualidade. É preciso um ‘choque’ estético no campo das artes para que o tema receba a atenção que merece? Como vocês, como produtores e cineastas, acham que devem reagir diante desse cenário?
MN: Acredito que o caminho é manter a visibilidade, não no sentido “olha que diferente, que exótico” e, sim, apresentar a questão como uma naturalidade. É inegavelmente uma questão política e, nesse sentido, é importante se posicionar até que as visões preconceituosas e homofóbicas (e racistas, machistas etc) não estejam mais entre nós. Mesmo assim, sempre existirão visões fora do que não só é aceito, mas é padrão. É bom que estas visões, essas expressões artísticas estejam sempre disponíveis e sendo discutidas.
B: Vocês vislumbram um cenário otimista para o New Queer Cinema? Quais devem ser os próximos passos de cineastas que têm preocupação em abordar a homossexualidade?
MN: Hoje a visibilidade é muito maior, mas é isso que buscamos? Acredito que vivemos em um bom momento artístico, em que os realizadores estão mais e mais apresentando visões singulares e interessantes. Eles estão no caminho certo. Talvez o circuito de distribuição e exibição, tão importante para que estas obras atinjam público, é que precisa ser repensado.